segunda-feira, 19 de junho de 2017

Evil Dead - A Morte do Demônio (1981) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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Evil Dead é um dos melhores filmes de terror já feito. Em tempos passados, o diretor Sam Raimi colocou em prática a avalanche de violência explícita, tripas expostas e muito, MUITO sangue. VERDADEIRO FILMÃO DA PORRA. Uma experiência que ultrapassa medo e fantasia, continuando o legado mesmo com o baixo orçamento e inúmeras limitações da época. Não é um filme qualquer. Sam Raimi conseguiu transformar em realidade o sonho de qualquer cineasta amador de horror. A produção deu tão certo, que lançou o diretor ao mundo do cinema e começou uma trilogia que se manteve por mais 11 anos (isso sem contar o reboot que rolou em 2013, resgatando a franquia para uma nova geração). Atualmente, Evil Dead é essencial para qualquer fã de horror, principalmente os pesados, envolvendo possessões demoníacas, ritos de passagem e o maravilhoso gore que perturba e agrada em uma combinação jamais presenciada novamente. É uma experiência perfeita para as noites tenebrosas, para as madrugadas de silêncio, ainda mais se você estiver bêbado ou chapado de fumaça. Medo e delírio? Risadas? É muito mais que isso.

Diferente dos próximos filmes (que abordaram o humor negro), o primeiro capítulo da franquia é perturbado em todos os sentidos. Em nosso território nacional rolou uma famigerada confusão com os títulos dos filmes: tem gente que se refere como Evil Dead 1, outras chamam de Uma Noite Alucinante, mas o nome oficial utilizado por aqui foi A Morte do Demônio, que apesar de bastante nostálgico, acabou saindo da premissa que será mostrada em tela. Já o segundo filme foi automaticamente batizado de Uma Noite Alucinante por aqui (ao invés de Evil Dead 2), confundindo o público desde 1987. A fita VHS é provavelmente o item mais raro para se encontrar nacionalmente, e um desejo de qualquer colecionador do horror. Facilmente encontrada por, no mínimo, 400 reais. Se você tem a oportunidade de assistir os 85 minutos de projeção em um formato desses, pode se considerar um sortudo nato. Não se trata apenas de um filme amador, e sim uma experiência surreal que iniciou uma avalanche sangrenta. Bruce Campbell começa destacar sua carreira aqui, se eternizando no papel de Ashley Williams.

Para conseguir o dinheiro necessário, Sam Raimi dirigiu Within the Woods em 1978, um curta metragem extremamente amador e repleto com situações que seriam exploradas com maior profundidade em Evil Dead. O curta tem a presença de Bruce Campbell e se tornou ouro puro para qualquer fã do horror. Quem tiver curiosidade, o Portal Tartárico analisou e disponibilizou o curta para ser assistido aqui mesmo no blog, completo e legendado (clique aqui para conferir). Vale muito a pena, é um clássico amador.

"We're gonna get you..."

Seguindo a premissa desse tipo de produção, o enredo é muito simples. Cinco amigos estão passeando pelas montanhas e se hospedam em uma velha cabana na floresta. O elenco é composto por Ashley (Bruce Campbell), sua namorada Linda (Betsy Baker) e sua irmã Cheryl (Ellen Sandweiss), também temos o casal brincalhão Scott (Hal Delrich) e Shelly (Sarah York). Nessa cabana, eles acabam encontrando um livro denominado como Necronomicon, o Livro dos Mortos, encadernado em pele humana e escrito com sangue. Junto do livro, uma fita cassete foi deixada pelo antigo morador da cabana, um arqueólogo que explorava as tumbas de Kandar. Ao reproduzir essa fita em um gravador, o grupo acaba ouvindo um relado do arqueólogo, afirmando que, com o livro, ele involuntariamente liberou forças diabólicas que tinham a capacidade de se apossar dos vivos. O livro continha passagens cabalísticas de rituais de sepultamento e feitiços funerários, que quando recitados em voz alta, tinham o poder de ressuscitar os mortos. Acidentalmente, a fita acaba recitando um encantamento, descrito como:

"Tatra amistrobin azarta, tatis manor manziz hounaz, ansobar saman darobza dahir saika danz deroza, kandar, kandar, kandar."

Era o começo do fim. Sem querer, as forças malignas que vagam pela floresta acabam sendo liberadas para destruir os vivos. Essa cena é uma das mais lindas que já presenciei no gênero. Acho sensacional a dinâmica usada para conduzir a montagem do renascimento; a inocência dos jovens sendo dominada pelas palavras frias da narração do arqueólogo, o mal nascendo diretamente da natureza, nas sombras da floresta escura. O clima funciona e continua me surpreendendo até hoje em dia. Aos poucos, todos os jovens vão sendo possuídos pelos mortos e se tornando criaturas abomináveis, sedentas por sangue. No final sobra somente Ash, o herói hesitante, para destruí-los e lutar pela vida. Aliás, não me responsabilizo por quem recitar as palavras acima em voz alta, faça isso por conta e risco próprio rsrs.

A última refeição.

O filme foi literalmente gravado em uma cabana abandonada nas montanhas, isso agrega um realismo essencial. Se imagine em um lugar desses, altas horas da madrugada, com apenas uma câmera na mão. É essa sensação que o filme transcende, sempre com tomadas improvisadas e criativas, deixando tudo com uma pitada rural de documentário. A cena em que os jovens chegam de carro na cabana é mostrada em tempo real, com a perspectiva posicionada atrás do automóvel, sem cortes. Dessa maneira o telespectador consegue acompanhar e reparar no cenário ao redor, sem muito esforço e com bastante interesse. Na prática, esse tipo de direção sempre funcionou com filmes de terror; câmeras subjetivas e externas sombrias eram obrigatórias naquela época.

Linda e Ash... O amor trágico jamais foi o mesmo.

Após o ritual demoníaco virar realidade, um por um, todos os jovens são possuídos e deixam sua essência desaparecer. Cheryl acaba sendo atacada e estuprada pelas árvores da floresta, em uma cena grotesca e extremamente barulhenta. Os gritos da mulher parecem gemidos de pornô (KKKKKKKKK), e provavelmente ela é a personagem que mais sofre na trama, porque além de ser possuída, ainda é trancafiada em um porão pelos seus amigos desesperados, e passa a maior parte do filme deformada, podre e emitindo ameaças em formas de grunhidos. As péssimas atuações não entregam totalmente o drama que o filme exige, mas hoje em dia são consideradas o verdadeiro charme de Evil Dead. A falta de experiência por parte do elenco e produção deixa tudo mais assustador. Sentimos falta do profissional, tornando as cenas mais assustadoras e caseiras. Tudo pode acontecer dessa maneira.

Sam Raimi e sua direção misteriosa.

Pelo nível amador da produção, os efeitos são muito bons, exceto por alguns detalhes de maquiagem ou erros de continuação. Existem cenas que percebemos altos relevos que denunciam a maquiagem caseira, ou alguns momentos em que Ash é recebido com litros de sangue, e na cena seguinte está limpo, como se nada tivesse acontecido. Isso não atrapalha, principalmente sabendo das limitações que o filme sofreu. Toda a violência é explicita em tela, vemos calcanhares sendo perfurados com golpes de lápis, membros decepados e esmagados, cabeças explodidas com tiros de escopeta. O sangue é um espetáculo, se tornando um fator chave na dinâmica do filme. A trilha sonora é quase inexistente, as cenas são bombardeadas com ruídos agonizantes e gritos de possessão, portanto se prepare para ficar perturbado. Todos os momentos em que um personagem é tomado se mantêm registrado com cenas assustadoras (o meu preferido é o primeiro, quando Cheryl é possuída diante de uma janela). A simplicidade que o filme é feito impressiona e assusta cada vez mais, desde tomadas, cenários, perspectivas de câmeras e rugidos incômodos. Quem sentir encanação? Fique chapado e encare uma sessão de Evil Dead altas horas da noite, com as luzes apagadas. Pode ter certeza que será uma experiência inesquecível e muito tenebrosa.

O sangue se tornando um evento.

O filme trata a natureza de uma forma diferenciada. A floresta escura parece observar os passos dos jovens, sempre misteriosa. Em todas as cenas do horizonte noturno, percebemos uma lua extremamente grande para os padrões reais, iconicamente sendo encoberta por sombras negras. Existe um simbolismo oculto em muitos momentos, principalmente nas transições em que o mal começa a se manifestar. O elenco se esforça para dar o drama necessário, mas só conseguem quando já estão possuídos e com as feições deterioradas. De fato, Bruce Campbell é o que mais age com naturalidade em seu papel, entregando uma junção de afeto, preocupação e muito trauma. No começo ele sempre está hesitante e na duvida das atitudes que deve tomar, mas quando não lhe sobra alternativa, acompanhamos o personagem mergulhar em uma solidão doentia, chegando ao ponto de arrancar a cabeça de sua namorada com uma pá de jardinagem, e esquartejar seus amigos zumbis em legitima defesa. A necessidade de sobreviver o fez tomar inúmeras decisões que mudaram sua personalidade, o deixando frio e atrapalhado. Lembrando que tudo isso acontece em apenas uma noite.

Bons sonhos para todos.

Uma questão sempre intrigou o publico: se todos estavam sendo possuído pelas forças malignas da floresta, como Ash ficou imune? Obviamente o roteiro precisava de um herói final, então essa pergunta pode ser facilmente respondida, mesmo sem nenhuma profundidade maior. A solução final encontrada por ele é a destruição do Livro dos Mortos, o jogando nas chamas da lareira, enquanto é brutalmente atacado pelos amigos possuídos. É um final apressado e sem explicações, mas o suficiente depois de litros de sangue derramado. O efeito mais difícil reproduzido foi o derretimento final dos cadáveres, uma cena lenta e silenciosa onde vemos carne se transformando em estado liquido, em uma mistura nojenta de sangue, músculos deteriorados, pus e insetos (incluindo baratas).

O mestre Stephen King adorou o filme, considerando ele único e diferente em uma época que a violência explicita estava explodindo na Sétima Arte. Os slasher estavam dominando legiões de fãs, e a obra prima de Sam Raimi conseguiu se manter no alto patamar até os dias atuais. O flerte de King ajudou muito a franquia, porque foi ele quem decidiu procurar um financiamento maior para o próximo capítulo, que estreou somente 6 anos depois, em 1987. A equipe despertou o interesse nos amantes do horror, e criaram inúmeros conceitos que se tornariam marca registrada do gênero. Tudo isso com pouco dinheiro e uma produção despreparada, sem nenhuma experiência por parte dos envolvidos. Com certeza é um dos melhores filmes de terror já feitos pela humanidade, e sei que continuará assim por muitos anos. É difícil bater de frente com esse tipo de fita.

Necronomicon, o Livro dos Mortos.

Se você nunca assistiu, abra sua mente e faça isso agora mesmo. A mitologia envolvendo a trilogia é bem interessante e contada aos poucos, despertando curiosidade. E as novidades não param, pois atualmente existe uma série sobre a franquia que já conta com duas temporadas, intitulada Ash vs Evil Dead, em desenvolvimento desde 2015. A série é protagonizada por Bruce Campbell e se passa 30 anos após os filmes, essa é a oportunidade perfeita para quem não conhece a história, uma chance para criar uma profunda conexão com a obra, e se tornarem novos fãs. Se algum dia você encontrar uma pessoa que adora terror, mas não gostou de Evil Dead (1981), por favor, pegue uma escopeta ou um machete e corte a cabeça dela. Acredite no seu instinto, ela não vai fazer muita diferença nesse mundo doido. Grande abraço!
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TRAILER DE 1981:
CURIOSIDADES:
1) No final das gravações, a equipe enterrou uma cápsula do tempo dentro da lareira que existia na cabana, como uma forma de homenagem para futuras gerações. A cabana foi destruída, mas a cápsula foi encontrada por um casal de fãs calorosos de Evil Dead que descobriram que a lareira do local ainda estava intacta.

2) No roteiro original foi decidido que todos os personagens fumariam maconha quando ouvem a fita pela primeira vez. Os atores decidiram fazer isso na prática, e posteriormente a cena precisou ser refilmada devido aos seus comportamentos incontroláveis.

3) Em certo ponto das gravações, a blusa que Bruce Campbell estava usando ficou tão impregnada com sangue falso, que acabou petrificada e rachou no meio quando ele tentou vesti-la.

4) A cabana estava localizada em Morristown, Tennessee. Na biografia de Bruce Campbell, ele diz que acabou queimada anos mais tarde. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu (Sam Raimi diz que ele mesmo queimou após as filmagens). Além disso, ninguém pode dar informações exatas sobre o local, porque a única parte restante da estrutura é a chaminé de tijolos, e muitas pessoas já vandalizaram a propriedade.

5) Sam Raimi e Bruce Campbell eram amigos de faculdade, onde fizeram muitos filmes gravados em Super-8. Mais tarde eles se uniram com Ted Raimi e formaram várias colaborações juntos. Cambell virou o ator do grupo, pois "ele era aquele homem que as garotas queriam olhar".

6) No fim de um dia normal de gravação, Bruce Campbell retornava para casa na caçamba da caminhonete porque estava sujo de sangue da cabeça aos pés.


7) Um cinegrafista escorregou durante as filmagens, esmagando sua câmera no rosto de Bruce Campbell e arrancando vários dentes do ator.


8) O filme acabou ficando sem dinheiro no meio da produção. Os envolvidos fizeram de tudo para completar o filme, conseguiram empréstimos bancários de alto interesse, emprestaram dinheiro de amigos e familiares e até mesmo fizeram ligações golpistas para empresas no estado de Michigan. Essas ligações frias funcionaram na medida certa, e eles conseguiram refeições, gasolina e outras necessidades que o elenco e a equipe precisavam.


9) As lentes de contato usadas eram extremamente dolorosas para se colocar. Elas cobriam metade dos olhos e precisavam ser removidas dentro de 15 minutos para possibilitar o olho de respirar.

10) Há um cartaz rasgado de Quadrilha dos Sádicos (1977) visível em uma das cenas. Foi uma brincadeira para Wes Craven, afirmando que Evil Dead é ainda mais assustador.

CONTAGEM DE CORPOS (4):
Zumbi Shelly: esquartejada por Scott, tem braços, pernas e a maioria do corpo despedaçado com machadadas.
Zumbi Linda: decapitada por Ash, usando uma pá de jardinagem.
Zumbi Cheryl: carne e músculos derretidos após o Necronomicon ser arremessado na lareira.
Zumbi Scott: também derretido após a destruição do Necronomicon.

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