terça-feira, 8 de novembro de 2016

Carrie - A Estranha (1976) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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Nos primórdios da década de 70, a humanidade foi presenteada com muitas produções de terror dignas de serem assistidas por todos. É só voltarmos um pouco no tempo, e somos atingidos por O Exorcista (1973)Quadrilha de Sádicos (1977), ou então por Aniversário Macabro (1972), Tubarão (1975), O Massacre da Serra-Elétrica (1974), Halloween (1978) e muitos outros; no meio de tantas opções perturbadoras, encontramos a pérola Carrie – A Estranha (1976), um longa que merece ser assistido por todos, e é essencial no gênero.

Baseado no romance homônimo do mestre Stephen King (dispensa comentários, já tendo escrito em sua carreira Cemitério Maldito, O Iluminado, IT e inúmeros contos do horror em literatura), a película foi dirigida pelo ótimo Brian De Palma (que viria a produzir pérolas como Scarface). Na verdade, esse é o primeiro livro de King que foi adaptado em filme, gravado em apenas 50 dias. Temos aqui um ótimo elenco e uma trama situada em acontecimentos cotidianos que realmente perturbam. Isso é somente forçado com o assunto polêmico abordado, nos trazendo um realismo repleto de fantásia e situações sobrenaturais, como já é de se esperar nesse caso curioso.

No elenco encontramos a dramática Sissy Spacek, Nancy Allen (de Robocop e Vestida para Matar), também P.J. Soles (a Lynda de Halloween), Sydney Lassick (Um Estranho no Ninho) e até mesmo o jovem John Travolta, que na época, ainda era um ator desconhecido. Portanto, vamos começar:

O terror indispensável.

Carrie White (Sissy Spacek, se embriagando na fonte da bizarrice) é uma garota tímida e excluída que possui poderes telecinéticos (capacidade de mover objetos com a mente), e sofre na mão de sua mãe EXTREMAMENTE religiosa e opressora (Piper Laurie), fazendo de tudo para “educar” a filha com seus princípios escrotos. A menina é privada de tudo, inclusive informações essenciais para a adolescência feminina, e é com isso que nossa trama se inicia, após a aula de educação física da escola na qual Carrie frequenta com sua timidez (na educação física, já percebemos que as outras jovens zoam ela o tempo todo). É hora do banho e com uma suave direção bem conduzida por De Palma, vemos a tranquilidade na sensualidade da menina, sua inocência privada em curtos movimentos. No entanto, durante o banho, ela fica menstruada pela primeira vez na vida, causando pânico imediato, pois a mesma acredita estar morrendo ao ver todo o sangue. Obviamente todas as meninas começam a zoar nossa estranha Carrie, especialmente Chris (Nancy Allen) e Sue (Amy Irving) que literalmente ficam jogando vários absorventes nela, até serem impedidas pela durona professora Collins, que acaba com a palhaçada.

Essa garota me dá medo.

Até mesmo o diretor e os professores aparentam não considerar Carrie em nenhum momento, somente a professora Collins, que após o acontecido, começou a ter pena da garota e procura acostumá-la e introduzi-la no “mundão”. De fato, a menina come do pão que o Diabo amassou, porque depois de chegar em sua casa, conhecemos o tratamento que leva de sua mãe: apanha de bíblia (!!!), é arrastada pelos cabelos e obrigada a ficar rezando em uma pequena espécie de santuário que a velha ostenta na casa. As atuações são boas, principalmente de Sissy Spacek, dando um show de berros, caras e bocas.

É claro que as alunas não iam passar batidas com a brincadeira de mau gosto que fizeram no chuveiro, e a professora Collins resolve fazê-las passar a semana tendo aulas extras de educação física, porque se resolverem recusar, estariam impedidas de ir no famigerado baile de formatura, que todas as meninas tanto gostam. Todas cumprem a penalidade, menos Chris (que já percebemos se tratar de uma vadia mimada com carros e indiretas); a ousada garota xinga a professora, e faz um belo baile, até receber um tapa da mesma. Ofendida e proibida de ir ao baile, Chris desenvolve um ódio mortal de Carrie, e resolve foder sua vida de uma vez por todas.

Norma & Chris, dupla agitada.

Diferente da resmungona Chris, Sue se arrepende do que fez, e resolve dar um ultimato para conseguir ajudar Carrie a se sentir bem novamente: desiste de ir no baile, e convence seu namorado Tommy Ross (William Katt, parecendo o eterno Jon Bon Jovi), o rapaz mais cobiçado da escola, a levar Carrie no baile de formatura, em troca da brincadeira que haviam feito. No começo Carrie acredita se tratar de outra zoeira de mau gosto, mas após receber o apoio da professora Collins, a garota resolve aceitar o convite inesperado.

Paralelamente, conhecemos o namorado de Chris, Billy Nolan (John Travolta em ótima época), que não passa de um badboy dos anos 70, com seu carro possante, cabelão descolado e ofensas frequentes. Acompanhamos uma cena muito bizarra, em que Chris (enquanto cai de boca no *** do namorado), conta sobre sua raiva eterna por Carrie, e basicamente planeja uma vingança (!!!). A garota literalmente pega o rapaz em um momento delicado (rsrs). Aqui temos a beleza do rock dos anos 60, no melhor estilo de American Graffiti (1973), com aquele clima “adolescente descolado” contagiante: jaquetas de couro, esconder cerveja da polícia, garotas submissas...

Galã das noites de sábado.

A direção de De Palma lembra muito os clássicos de Alfred Hitchcock (principalmente Psicose de 1960), com aqueles “cri-cri” típicos da trilha sonora do eterno mestre do suspense, e até mesmo o nome da escola “Bates High”, uma óbvia referencia a Norman Bates. É uma boa direção que nos mantem presos, recheada com longos e exagerados closes, tomadas ousadas e lentas que transparecem o realismo; a época também é retratada com fidelidade, mantendo aquelas roupas chamativas e personalidades excêntricas que marcaram os anos 70.

Os assuntos tratados no filme são polêmicos até nos dias atuais, como o bullyng escolar, o horrível fanatismo religioso e até mesmo a descoberta da sexualidade que retira a inocência preservada; na pele de Sissy Spacek isso se torna uma canção perturbadora com direita a um fim indeciso. Nos anos que se seguiram, tivemos vários remakes desse clássico, como em 2002 e 2013, esse último principalmente transparece uma Carrie muito mais fofa e bonitinha, se tornando impossível “odiá-la” como o filme sugere, já aqui em 1976, ela é tão perturbadora quanto assustadora, realmente se tornando difícil querer estabilizar alguma amizade; mesmo nos momentos que a vemos sorrindo ou “erguendo” seu rosto abatido, as feições da garota assustam e marcam, com um olhar penetrante que diz muitas coisas.

Recebendo apoio da professora Collins.

Durante um jantar, Carrie resolve contar para sua mãe que vai ao baile com o cobiçado Tommy Ross, e a discussão come solta. Acho interessante como a produção conduz essa cena de jantar: com luzes de vela e um enorme quadro da Santa Ceia perpetuando na parede. A mãe da menina não corta o papo religioso, joga bebida na cara da filha e insinua que a mesma está possuída (curioso, parece que a situação é vice-versa...). Carrie se mantem forte e age independente, afirmando que não importa o que aconteça, ela irá sim ao tal baile.

Enquanto isso, Chris começa a planejar sua vingança junto do namorado Billy. Ao lado de um grupo de arruaceiros, eles vão até um matadouro no meio da madrugada (eterna sequência, uma das mais lembradas), com o objetivo de assassinar algum porco para conseguir sangue. Pra quem ainda não matou a charada, eles pretendem armar um balde com sangue em cima do palco do baile, e depois de falsificar os votos que decidem a rainha do evento (fazendo Carrie ganhar), viram o conteúdo vermelho em cima da garota quando a mesma subir no palco para receber a premiação. Um plano perturbado e desnecessário, que só poderia ser protagonizado por uma garota retardada como Chris. John Travolta e suas paixonites ilustres e submissas.

Invadindo o matadouro.

Tudo está correndo na maior tranquilidade: as garotas estão se arrumando nos salões de beleza, os rapazes comprando seus smokings, o grande ginásio da escola sendo preparado para os embalos de uma bela noite animada... Até mesmo Carrie se arruma com um vestido decotado e maquiagem improvisada, conseguindo se sentir livre pela primeira vez na vida. A mãe dela? Quando vê a filha arrumada começa a gritar ofensas e se auto machucar para tentar convence-la de ficar em casa. Carrie não muda de ideia e até usa seus poderes para controlar a velha obcecada. Quando Tommy chega para buscá-la, a aventura que mudará sua vida estava apenas começando. Os dois chegam ao baile como se já fossem velhos conhecidos, e Carrie logo é contagiada pelo clima.

Outro destaque são as cenas que mostram sua mãe sozinha em casa, enquanto a filha se “rebela” no baile. A mulher protagoniza momentos bizarros, extremamente realçados pela direção bruta; como no momento em que ela pega uma enorme faca e começa a batê-la na mesa como se fosse um robô comandado, mesmo depois de já ter acabado de cortar a cenoura. Essas cenas realmente dão medo, e recomendo muito para os leitores mais atentos.

Mulher perturbada.

Tommy prova ser o maior camarada sabichão: ele trata Carrie com respeito e igualdade, a elogia, combina de darem um role depois do baile... Até mesmo a leva na pista de dança e protagoniza o clássico beijo com a câmera rodando em volta (entretanto, De Palma roda tanto a projeção que chega a dar tontura). Mesmo desajeitada, Carrie esta provando uma noite repleta de mudanças e inovações, e nunca poderia imaginar que uma tragédia estragaria tudo.

Em certo momento, Sue (namorada de Tommy) descobre que vão pregar uma peça em Carrie, e tenta desesperadamente chegar ao baile antes que aconteça. No entanto, como todos devem saber, o pior estava apenas começando naquela noite.

O casal de uma noite só.

A votação do casal premiado é anunciada, e quem ganha é Carrie e Tommy (com os votos forjados por Chris e os amigo). É gratificante poder ver Carrie sorrindo no final das contas, depois de tanta falta de carisma; a garota é bonita e consegue se cativar profundamente com os aplausos que a seguem até o palco. A sequência que se segue é dramática não importa o tanto de vez que assista o filme, e muito bem conduzida; com uma trilha sonora tensa e total câmera lenta, acompanhamos os momentos perturbadores que antecedem a queda do balde cheio de sangue. E quando isso finalmente acontece, já estamos vidrados na película. Sem contar o banho de sangue que a coroada recebe, o pesado balde de chumbo despenca e acerta Tommy em cheio na cabeça, provavelmente matando o rapaz. A edição do filme capricha quando as expressões de Carrie mudam de água para o vinho, relembrando ofensas antigas na memoria, e com os olhos arregalados, mandando o local todo para o inferno de uma vez só... É tesão puro!!!

Fodeu. Esse olhar...

Pessoas são esmagadas, eletrocutadas, arremessadas, incendiadas... Tudo isso com ótimos efeitos especiais e sonoros, lembrando muito os filmes de Hitchcock; a edição também divide a tela “em dois” em muitos trechos dessa cena (como um jogo com dois playes em tela dividida), para podermos acompanhar muito mais da destruição provocada pela garota atormentada. Nem mesmo a professora Collins é perdoada, sendo esmagada contra uma placa (nos próximos filmes isso é alterado).

Depois de incendiar o ginásio, Carrie sai desgovernada e ensanguentada pelas ruas escuras, e ao tentar ser atropelada por Chris e o namorado, ela faz o carro capotar inúmeras vezes e explodir em um terreno baldio. Os dois mereceram muito, no final das contas. Procuraram e acharam.

Ao chegar em casa, Carrie toma um banho e encontra sua mãe, contando que zombaram dela e a noite foi horrível, nessa cena, a mulher conta que provavelmente Carrie tenha vindo depois que ela teve relacionamentos sexuais com um homem possuído, gerando a menina com poderes. Bizarro, não?... Então temos outros momentos tensos, quando a mãe tenta assassiná-la, enfiando uma enorme faca em suas costas, mas Carrie se defende após o golpe, basicamente fazendo todos os objetos pontudos pregarem em sua mãe fanática, a crucificando na parede assim mesmo como aconteceu com sua “fonte”.

Um final trágico (ou não).

A casa começa a tremer e desmoronar aos poucos, Carrie tenta resgatar o corpo da mãe, mas elas acabam sendo soterradas juntas, na frente da estátua de Jesus Cristo na qual Carrie era obrigada a rezar. Com o desmoronamento, a menina morre e é enterrada ali mesmo com os escombros amaldiçoados. Após isso acontecer, já nas cenas finais, vemos Sue, a verdadeira pessoa que se preocupou com Carrie, indo até o local que a menina morreu, e ao deixar flores, é puxada por um braço ensanguentado (no melhor estilo que o gênero pode proporcionar em tantos anos). Sue acorda e vemos que foi um pesadelo, já sabendo que perdeu seu namorado Tommy e todos os amigos próximos, a garota berra angustiada, dando impressão de que o passado e a culpa vão atormentá-la pelo resto da vida.

Carrie – A Estranha (1976) vale a pena ser assistido, não somente pelo valor nostálgico e perturbador, mas também pela boa história e ótima adaptação. O filme não teve nenhuma continuação, mas dois remakes até o momento. Os livros de Stephen King viraram uma fábrica de filmes bons e ruins, que marcaram não só várias gerações, como continuam perpetuando fortemente até hoje. São contos memoráveis transformados em películas raras que certamente agradam todos que apreciam um bom entretenimento. Forte e fiel, o trabalho segue com lealdade e determinação.
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TRAILER DE 1976:

CONTAGEM DE CORPOS (número não exato):
Assassina Carrie White:
Vários estudantes: afogados por mangueira em jato.
Sr.Morton: eletrocutado por microfone.
Vários estudantes: eletrocutados.
Sra. Collins: esmagada por uma enorme viga de placa.
Sr. Fromm: eletrocutado e queimado.
Vários estudantes: queimados vivos.
Billy: acidente de carro e carbonizado.
Chris: acidente de carro e carbonizada.
Margaret White: crucificada na parede com facas de cozinha.
OUTRAS MORTES:
Carrie White: facada nas costas, soterrada por casa.
Tommy Ross: golpeado na cabeça com balde de chumbo.
Porco: assassinado a marretadas por Billy no matadouro. 

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